POEMAS DA ERA ATÕMICA

                                                      
POEMA DO AMOR SEM ALMA

I

Sabia-se formosa (e, de fato, ela o era)
E desse hostil poder Leviana abusava:
Olhava da alto abaixo o espelho, e se extasiava
Ante o próprio esplendor do seu corpo-quimera.

Sadicamente má, antegozava, à espera:
Mais um homem que vinha. . . Outro, após, se ajoelhava.
Iludia sem dó. . .Sem dó martirizava.
Divertiu-se a valer essa divina fera!

Mas, uma dia, não sei por que desígnio incrível
A um Dom João qualquer, sem motivo plausível
Leviana escravisou-se, inerme, inofensiva.

E quando investiguei, com olho de Nordau,
Descobri, facilmente, a causa decisiva:
Ele era um homem mau, completamente mau.

II

"Contemplo-te, Leviana, assim radiosa,
Em plena sedução primaveril,
Nessa graça diabólica e sutil
Que à luz do sol parece vaporosa.

És requintadamente feminil,
Felinamente voluntariosa.
Expressão de beleza luxuriosa,
Como raras eu vejo no Brasil!

Não mentirei, Leviana sedutora:
Para mim, és a mais encantadora
Imagem viva da fatalidade.

Mas Alma, Espírito, isso é que não trazes:
És toda carne, apenas carne. E fazes
Da vida um poema de sexualidade!"

III

"Eu canto a mulher nua, em toda a graça,
Na estética ideal dos seus contornos;
Também traduzo os seus afagos mornos,
Quando bebo do amor em sua taça.

Não sei se ela é ventura, se é desgraça,
Se é inferno humano a se entreabrir em fornos:
Sei que enlouqueço vendo-a sem adornos,
Quando eu a beijo e quando ela me enlaça.

Compreendo o amor assim: o complemento
Do meu corpo é o corpo dela. E, pois, sentir
Da carne os gozos é obra de um momento!

Então, quando a possuo, espiritual
Logo me torno, na ânsia de subir
Os sete céus do santo Amor Total".

IV

"Quem me dera, Leviana, quem me dera
Poder sorver-te a vida com mil beijos,
Na violenta erupção dos meus desejos,
Violentíssima, embora, mas sincera!

De um novo amor inéditos arpejos
Eu te daria, com ânsias de uma fera:
Possuir-te assim, amor, para mim, era
O sonho ideal de todos os ensejos.

Acariciar-te-ia o corpo lindo:
Minhas mãos subiriam, indo e vindo,
Em frêmitos e ardores incontidos.

Depois, feliz, consciente do que sou,
Ouviria de ti, entre gemidos:
- Como tu, meu amor, ninguém me amou!"

V

- Mulher de formas tão maravilhosas,
Que monopolizaram a beleza:
Tens o perfume ideal de rubras rosas
Nestas carnes de esplêndida rigeza!

- Fulgura, em minhas carnes vigorosas,
Do sexo triunfal a luz acesa. . .
- Quero beijar as pomas deliciosas
Deste colo divino, ó doce presa!

- Não vês que, com teus beijos, tu me excitas,
E me transtornas, e me febricitas
A Alma, que vai aos rumos celestiais?

- Não me digas, Leviana, que tens Alma,
Se queres que eu mantenha a minha calma:
Eu amo é a tua carne - nada mais!

VI

"Perdoa-me, Leviana, se magoei
Tua carne satânica e amorável,
Com a selvageria formidável
De macho egoísta e mau com que te amei.

Antes culpa ao teu corpo incomparável
O vandalismo com que te beijei,
Mordendo-te, arranhando-te, nem sei,
Na violência da posse memorável.

Perdoa-me: uma noite assim, querida,
Supre toda a miséria desta vida,
E quase me parece que é miragem.

Porque, Leviana, odeio o formalismo:
Eu só compreendo o amor-primitivísmo,
Só sei amar assim, como um selvagem!"

VII

"Quando te foste, eu tive a sensação
De que não te amaria nunca mais:
Baldados meus apelos e meus ais,
Baldada toda a minha devoção.

Deixa-te estar, perverso: o mundo é vão,
E por ti mesmo, um dia, o concluirás.
Entediado e intranquilo viverás,
Até que te arrependas com razão.

Ao meu sincero amor, sem interesse,
Não dás valor algum, e me parece
Que é por uma excessiva ingratidão!

Hás de voltar, eu sei, tenho certeza,
E eu te receberei sem aspereza,
Com a superioridade do perdão. . ."

VIII

"Leviana, crês no amor? Tu crês no meu amor?
É tarde, é findo o amor.  E como te lamento!
Apaixonada assim, nesse deslumbramento,
E o teu sonho, Leviana, é tão enganador!

Pois a amor, para mim, é a glória de um momento,
E mais belo será quanto mais breve for.
Sei bem que me odiarás: em teu peito o rancor
Fará roer-te a vida o verme sofrimento.

Que queres?  Sou no mundo um beija-flor humano,
E só por isso mesmo assim tão desumano
E sempre indiferente à tua angústia louca.

Seguindo o meu destino, inquieto, a voltejar,
Irei, de boca em boca, um novo mel sugar,
Mas não pousarei mais na flor da tua boca!"

IX

A última esperança definhara;
Por fim, conspurcadíssima, se fora.
E ali estava chorando a sofredora:
Provara o mel e o fel do amor provara.

E disse, em seu delírio: "Ah! vida ignara,
Vida maldita, vida enganadora!
O que me ofertaste? A dor devastadora.
E estraçalhaste os sonhos que eu sonhara!

Eutanásia divina, ó dom ameno,
Dá-me a beber o salvador veneno!
A vida. . . sem amor. . . que bem me importa?"

E bebeu. E na treva um homem, lesto,
Impassível, sorria ante o seu gesto.
Cambaleou. Rodopiou. E caiu morta.

X

"O falso amor da religião insana,
Divino, indissolúvel, monogâmico,
Jamais o foi, nem no período adâmico,
Para perpetuação da espécie humana.

Quem de proibir-me o livre amor se ufana?
A Natureza fez-me poligâmico,
E com prazer seria miriagâmico,
Aplacando a libido que me dana!

Monogamia é alta impertinência.
Poligamia é quase uma abstinência.
Miriagamia, sim, o amor exuma.

Ah! mulheres, tirastes-me o sossego!
Eu queria (e bem sei que a tal não chego)
Possuir-vos todas, todas, uma a uma!"

XI

"Ha muito que eu, na vida, ando à procura
De uma mulher de carne moça e quente,
Que não tenha vestígios de inocente,
Mas traços firmes de mulher impura.


Nas ânsias do  prazer deliquescente,
De procurar meu corpo se tortura
Esse outro que se lhe una com loucura,
Mas sem fingir um gozo que não sente!

Uma que diga, abrindo os braços: "Vem. . ."
E que me aperte, e beije com violência,
E gema, e ruja, bem unida amim!

Dizei-me, faunos, sátiros do Além,
Ó deuses vís dá degenerescência:
Encontrarei uma mulher assim?"

XII

Começou como todos. Aventuras,
Após mil aventuras, ele as teve.
No afã de conquistar, sempre manteve
Em plano igual as puras e as impuras.

Mas (é o destino mal, das desventuras),
Uma dia, uma paixão cruel susteve
Seu coração. Fez tudo! E não reteve
A dama que matou suas venturas.

Mulher de gelo? Seja. Uma daquelas
Que sempre vêm, terrivelmente belas.
E a quem não se compara mais nenhuma.

Para finalizar tanta vanglória,
Tornou-se um casanova sem memória.
E nunca mais amou mulher alguma.

XII

"A vida (ele dizia) é a maravilha
Das maravilhas! Vê de quanta pompa
Se adorna a vida que, admirável, brilha,
Sem que uma jaça o brilho lhe interrompa!

Na sedução sem par da humana trilha,
Minha boca há de ser eterna trompa
A cantar do prazer a seguidilha,
Por mais que a dor o coração me rompa.

Dessas mulheres todas sou o rei,
E a vida é o grande sonho que sonhei
Na sempiterna glória   do que sou!"

Naquele dia, entanto, na incontida
Dor da paixão, amaldiçoando a vida,
O galã dos torpezas se matou.



POEMA DA BATALHA ESTÉTICA

                                        David Adler, doutor em cirurgia plástica,
                                        Deus conserve e agigante esses talentos teus!
                                        No mundo em destruição, sob o signo da swástica,
                                        És colaborador da obra imortal de Deus.

                                                                  *  *  *

                                        Ao construir o Éden neste mundo,
                                        Com sua eterna e paternal ternura,
                                        Deu o Criador à humana criatura
                                        O amor da Perfeição, o amor profundo.

                                        Como bom Pai, deu toda a liberdade
                                        Aos caros filhos do seu santo amor,
                                        Para, com livre-arbítrio e destemor,
                                        Cumprirem seu destino de bondade.

                                        Mas, tal a criança que só sabe andar
                                        Com passo firme após tombos sem fim,
                                        Essas crianças adultas do Jardim
                                        Acertam sempre só depois de errar.

                                        E foi assim que vimos, com tristeza,
                                        A Humanidade entrar em decadadência,
                                        Por obra vil da degenerescência
                                        A que hoje, mais que nunca, vive presa.

                                        Disse o Apóstolo Paulo à sua coorte
                                        Que o homem apenas colhe o que semeia:
                                        Que ninguém viverá do Mal na teia,
                                        Porque o salário do pecado é a morte.

                                        Pois essa é a causa-mór dos aleijões,
                                        Na sua realidade mais atroz,
                                        Que nos legaram nossos pais e avós,
                                        Das velhas às mais novas gerações.

                                        É óbvio que não posso subscrever
                                        A teoria bestial de Barrabás
                                        ("Os filhos pagam sempre pelos pais"),
                                        Pois ninguém paga a outrem sem dever.
]
                                        Não, absolutamente! Eu acredito
                                        Que nós colhemos o que aqui semeamos.
                                        O que há é que,  em geral, nos enganamos,
                                        Moldando tudo ao nosso gabarito.

                                        Vivemos muitas vidas no planeta:
                                        E os nossos velhos erros deploráveis
                                        Trazem as consequências implacáveis
                                        À nossa vida atual, crassa e forreta.

                                        Explica-se melhor, assim também,
                                        A preleção do Apóstolo genial:
                                        Quem planta o mal há de colher o mal,
                                        Quem planta o bem há de colher o bem.


                                        Hoje, psico-somática, até a ciência
                                        Já sabe, e disso muito se envaidece,
                                        Que o pobre corpo humano só adoece
                                        Quando a alma adoeceu com antecedência.

                                        Por isso, a Humanidade molestada
                                        Pediu a Deus, o Pai benevolente,
                                        Que fizesse o milagre complacente
                                        De restaurar a forma deformada

                                        E Deus, ouvindo as preces da aflição,
                                        No extremo horror de todos os pecados,
                                        Destacou missionários abnegados
                                        Para a batalha da reparação.

                                        E, entre esses bandeirantes da piedade,
                                        Que na missão divina surpreendi,
                                        Encontrei-te a lutar, meu bom David,
                                        Contra a Hidra de Lerna da fealdade.

                                                             * * *
                                        Num mundo em destruição, sob o signo da swástica,
                                        És colaborador da obra imortal de Deus.
                                        David Adler, doutor em cirurgia plática,
                                        Deus conserve e agigante esses talentos teus!



                   
  POEMA DO MUNDO ESCRAVO  

          A Castro Alves   

Homem, ó homem, quando é que despertas?
Quando me livras? Quando te libertas
Da tua escravidão? 
Há milênios meu grito corre os ares,
Repercutindo em céus, terras e mares,
Abalando a amplidão!

Ásia, Oaceania, Europa, África e América
 Inda se embalam na visão quimérica
De um céu enganador:
Nunca as ouviu o Deus a quem suplicam. . .
E, ante as desgraças que se multiplicam,
Estorcem-se de dor!

Inda há na terra escravocratas  bravos!
Ou pensará que não há mais escravos
Na aurora da Era Atômica?
Escravas, hoje, são todas as raças. . .
Eu vejo, em dois bilhões de vís carcaças,
Servidão policrômica. . .

Repara bem na minha superfície:
Não posso mais mais. . . È a máxima imundicie
Que eu posso suportar!
Quando despertarão teus irmãos loucos?
Quando, afinal, esses meus brados roucos
Quererão escutar?

Estarás tu no róseo misticismo,
Sonâmbulo a beirar o negro abismo
Que a igreja te cavou?
Inda bracejas nesse mundo pego,
Em que tua razão, ó grande cego,
Há muito se afogou?

É na terra que céu e inferno existem:
Céu a quem manda, inferno aos que persistem
Na dor do jugo eterno. . .
Pois, no globo em vives quase morto,
A burguesia tem o céu - que aborto! -
E só tens tido o inferno!

Do capital a crença é um dos esteios:
Ela semeia em ti esses receios
Da santa excomunhão. . .
Mas, seu Cristo morreu lá no calvário,
Qual foi o mal do gênio visionário?
Pregou resignação. . .

Antes, o povo opresso da Judéia
Teve no Cristo apoio à sua idéia,
E, unânime, o adorava;
Mas quando lhe ensinou a mansuetude,
Em vez de lhe extirpar a inquietude,
Ele o desenganava. . .

Quem se resignará perante o lobo,
Como um cordeiro, angelical e bobo,
Se entrega ao seu algoz?
Assim, aquele povo, que o seguia,
Viu o Cristo na cruz, em agonia,
E não se contrapôs!

E o político infame, que inda ajudas?
É o teu carrasco, o treu nefando Judas,
Melífluo e interesseiro:
É sempre teu amigo na aparência,
Mas depois do seu beijo - ó repelência! -
Te entrega por dinheiro. . .

E exulta a compradora, a burguesia, 
Para, mais tarde, urrando de alegria,
Executar sua parte:
Depois das chicotadas e da fome,
Com uma crueldade que não tem mais nome,
Enfim. . . crucificarte!

Gemendo, bradarás ao Deus glorioso,
Sem que te arranque ao transe doloroso:
Deus só existe no céu. . .
Verás, então, morrendo, aos estertores,
Que ninguém mais aplaca as suas dores,
Nem ouve o brado teu!

Só tu farás a tua abolição. . .
Recorda a antiga negra escravidão
E o horrendo negro nu:
Quem pôs termo a essa estúpida amargura?
Aboliu Deus a negra escravatura?
Teu próprio Deus és tu!

E, no entanto, és escravo assalariado:
Não passas de um imenso desgraçado,
Sem direito a viver. . .
Vegetas sobre mim como uma cousa,
E te arrastas do berço para a lousa:
Eis todo o teu prazer!

Tamanho sofrimento não te basta?
Insensível te fazes à vergasta,
No jugo da inclemência?
Talvez perante a dor, que chão te chumba,
Não ouças a revolta que retumba
No século da ciência!

Revê teus sofredores semelhantes:
Contempla suas pernas cambaleantes,
Seus rostos macerados. . .
É o sofrimento, que exterioriza,
Da exploração cruel, que martiriza
Os pobres massacrados!

Vês aquele indivíduo que vai preso?
Leva no olhar, furiosamente aceso,
O ódio a fuzilar. . .
Não lhe deram emprego nem comida;
Escorraçado, toda a sua vida,
Matou para roubar!

Olha aquela menina de treze anos!
Já provou desta vida os desenganos
E ali está, a exibir-se:
O pai caiu do andaime na calçada,
E a mãe, herdando a prole esfomeada,
Mandou-a prostituir-se!

É o que se vê na terra desgraçada,
Sob o tacão da burquesia inchada,
De prepotência um odre:
Suicídios, roubos, crimes, na verdade,
São produtos dessa alta sociedade
Inteiramente podre.

Mas a Fome, a invencível desvairada
Que tomou a Bastilha, revoltada,
Vencerá o capital;
E, aventureiros broncos, os tiranos
Terão, após horrores tão insanos,
Alegre funeral. . .

Ela há de guiar teus passos para a luta,
Contra o burguês de vida dissoluta,
Explorador nefário,
Que ri de ti com seus cifrões maiúsculos;
E esmagarás suas banhas nos teus músculos
De atlético operário!

Ouve, portanto, o meu supremo grito,
Que abala os astros que erram no infinito,
A terra a estremecer!
Ante a revolta, que em teu íntimo arde,
Que é que te falta, ó estúpido covarde?
Coragem de vencer. . .

E vencerás, se ouvires meus clamores,
Pondo termo às angústias, a essas dores
Da vida universal!
Só um remédio extermina esta miséria:
É a morte à burguesia deletéria -
Revolução social!

Será para a cainçalha um contratempo?
Pois que ladre e que morda, ao mesmo tempo,
E seu ódio extravase. . .
Nada há que abafe o ardor da maioria. . .
Nada há que salve ao baque a burguesia
Minada pela base!

Esta angústia econômica nos mata!
A tirania cruel brande a chibata,
E tortura-me, e aperta-te!
Há milênios meu grito corre os ares,
Repercutindo em céus, terras e mares:
Liberta-me! Liberta-te!



                                  









                            
                                    
                                         



                                                         




      

      

























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